Segunda-feira. 14h20min. Um garoto apertava seu violão. Sentado em um dos bancos de cimento, um senhor tomava sorvete de chocolate. Na plataforma de embarque, uma mulher segurava um bebê enquanto esperava seu irmão vir buscá-la. “Eu não sou daqui não. Eu sou de Salgado”. Na lanchonete, um homem tirava medidas do balcão. E, pelos corredores, as pessoas andavam apressadas, segurando suas bolsas e malas.
CAPELA! CAPELA!
Perto de um ônibus para Carmópolis, uma senhora de minissaia, blusa roxa, flor azul no cabelo e batom cintilante vendia dvd’s. “Eu pretendo ver a rodoviária bem bonita. – diz, toda sorridente - De três andares. A mais bonita do Brasil! Ainda quero ver um grande estacionamento aqui, com um carro que eu vou ter. Em nome de Jesus!”.
Ao lado, um grupo de cobradores gritava e motoristas clandestinos tentavam vender passagens. “Vocês sabem de alguma história engraçada aqui?”. “Engraçada? Olhe para ele ali. – respondeu um deles, apontando para um rapaz moreno – Ele é cobrador e usa um sapato de carpinteiro! Quer coisa mais engraçada que essa?”.
ITABAIANA! ITABAIANA! Vocês vão para Itabaiana?
Seu Samuel, 77 anos, vestido de branco, óculos Ray-ban e cigarro no bolso. Tomava café e olhava para os lados. “Eu conheci pessoalmente o Luiz Garcia (...) Aqui tem muita miséria, sabe? O Governo é sempre o mesmo. Meu pai sempre dizia: Político bom nasce morto. E eu estou com essa concepção até hoje. Nunca votei na minha vida”.
Perto dali, na loja de discos, as camisas de bandas de forró e os cartazes de brega faziam a decoração. Uma mocinha magrinha e tímida, há três anos, passava seus dias atrás do balcão. “Teve uma pessoa que tentou esfaquear outra aqui”.
Uma senhora loira entra na loja e aproxima-se do balcão. “Tem forró do ‘Mela Pinto’?”.
Os dois funcionários se entreolham e riem. “É cada coisa que aparece aqui”, comenta a mocinha, com sua voz baixa.
Pelos corredores, um cobrador vestido de verde gritava e estendia as mãos. “Uma história? – perguntou, com sua voz de locutor – Vou contar a história da Chapeuzinho Vermelho”. “O senhor acha que aqui tem muito assalto?”. “Não. Nunca vi não”. “Disseram que tinha muito assalto por aqui”. “Não. Nunca vi não”.
CAPELA! CAPELA!
No andar de cima, um servente batia o ponto. Trabalhava ali na rodoviária há pouco tempo. Cinco meses apenas. “O senhor gosta de trabalhar aqui? Já se surpreendeu com alguma coisa?”. “Uma vez chegou uma moça toda bem trajada, toda de terno... E o marido dela trabalhava de motorista aqui. Aí quando ele a viu, ficou todo atônito: ‘Meu amor!’. Daqui a pouco ele perguntou: ‘E aí, meu amor, você já fez o almoço?’, e ela disse ‘Já, já fiz’. Então ele perguntou o que ela estava fazendo por lá. ‘Eu fui ali resolver um negócio e acabei passando aqui para te ver’. ‘E o que é que eu vou comer hoje?’. Então ela respondeu uma coisa que eu achei engraçado: ‘Não tem coisa melhor para você do que a mim!’”. E o servente desandou a rir, enquanto lembrava-se outra vez da cena.
No final da rodoviária, em sua banca de revistas movimentada, um rapaz não parava quieto. “Tem muito tempo que você trabalha aqui?”. “Tem uns seis anos”. “E já viu muitas histórias?”. “Humm, teve uma vez que um malandro chegou e apertou um extintor de incêndio. E aí deu aquele estouro! O pessoal saiu correndo, foi todo mundo correndo e se batendo, se bateram aqui na banca, os ônibus quase atropelam o povo”.
Sob revistas pornôs penduradas em varais e raridades escondidas nas prateleiras, como um guia de viagem para Portugal, o rapaz contava outros causos da velha Luiz Garcia.
“Outra vez foi o carro-forte. O segurança do carro-forte aqui subindo, olhando para um lado e para o outro, subindo de costas. Sem força no pé, não teve onde se apoiar, e aí fez o quê? Deu um tiro sem querer, que faltou dois centímetros para acertar o pé dele. Todo mundo saiu correndo. Terminou ele sendo levado preso pela própria polícia daqui. Que capacidade o cara tem de ser um segurança num carro-forte? Um cara que quase dá um tiro no pé?”.
Uma senhora desdentada lhe pede um maço de cigarros. Um senhor apressado compra jornal.
“Tem outra história. – continuou ele – Tinha um motorista que ia para Divina Pastora. E aí, você sabe, é proibido carregar animais, tem a lei municipal e interestadual, né? Aí tinha uma mulher no final da pista. Ele parou, encostou e ela colocou a caixa dentro. Uma caixa toda furadinha. O motorista andava, ouvia aquele barulho, parava, olhava pelo retrovisor e nada. Todo mundo quieto. Andava de novo, parava e aquele barulho. Quando ele chegou aqui e abriu o porta-malas, de tanto se mexer lá dentro e latir, o cachorro já estava com a cabeça do lado de fora, querendo morder ele. Aí foi a maior confusão! Chamaram o DER e disseram que iam multar a mulher”.
Ele pára mais uma vez e atende um rapaz que lhe pede um cartão para celular.
“Vocês tem que ver um ônibus que vai para São Cristóvão. Ele chega depois das 5h e só tem um. E é um pessoal tão agoniado. Tem gente que entra pela janela, joga as sacolas pela janela. Tem gente que já quebrou a porta do ônibus!”.
RIBEIRÓPOLIS! RIBEIRÓPOLIS!
Entre uma loja de celulares e uma pequena lanchonete, um chaveiro com cara de ator mexicano estava sentado em seu banco. Pés sobre a mesa, chaves com o emblema do Flamengo penduradas e um adesivo pequeno onde se lia “Cristo é Paz”. Há oito anos trabalhava ali e sempre chegava às 8h da manhã.
“Ah, durante o dia às vezes tem confusão. Uma vez a mangueira do ar-condicionado soltou e fez aquele barulho, sabe? O povo saiu correndo, deixaram celular no chão, eu me abaixei aqui no chaveiro”.
Ele se ajeita em seu banco, passa a mão sobre o cabelo e continua: “Teve também uma mulher que tirou a roupa e saiu correndo aqui, nua. O povo correndo atrás dela... mas ela devia ter problemas mentais. Depois a pegaram e levaram no carro. Às vezes ela anda por aqui”.
“Tem ponto de droga aqui?”. “Olha, a questão de drogas... Na verdade, em todo lugar tem drogas. Uns são presos, outros roubam celulares. A rodoviária tem muita coisa”.
No box ao lado, uma morena de batom vermelho e com cara de cantora de brega, assistia a um show do Só Pra Contrariar na televisão enquanto comia coxinha e tomava coca-cola.
“Outra coisa aqui é esse bar aí, sabe? Às vezes rola uma ‘confusãozinha’. Às vezes o povo se estranha um com o outro. Tem coisas boas e também coisas ruins. Eu tenho muita amizade com o pessoal aqui”.
MOITA BONITA! Querem comprar passagem?
A rodoviária velha é um lugar de histórias engraçadas, rostos cansados e impacientes, muita gritaria, meninos pedindo esmolas e onde entrevistar pessoas e funcionários é proibido. Foi fundada em 1962, pelo governador Luiz Garcia, porém, há seis anos, deixou de ser um órgão público e passou a ser administrada pela empresa Socicam. São 24 funcionários divididos em três turnos, 60 lojas, 36 linhas de ônibus e 2 milhões de pessoas que circulam sobre seu chão encardido todo mês.
No andar de baixo, ao lado dos sanitários, existe uma maca, uma cadeira de rodas e uma cadeira de transbordo para embarque/desembarque. Espalhados ao longo do terminal existem 8 telefones públicos – sendo 1 adaptado para deficientes físicos e 1 para deficientes visuais. E no oculto setor de achados e perdidos, um monitor, duas caixas de aguardente, um botijão de gás e vários guarda-chuvas e bolsas.
pelo jeito as pessoas saem correndo com qualquer coisa que faça barulho - com exceção delas mesmas. Queria ver isso de perto...
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