26.12.22

Olá, você

Dois anos se passaram desde a última vez que escrevi. 

Acabei entrando num hiato cansativo que me tirou a vontade de escrever. Fui adotada por um gato bravinho que ama deixar marcas nas minhas pernas. Meu avô quase morreu duas vezes, ficou com a saúde debilitada e, desde então, tenho a sensação de que seu tempo está acabando. Minha avó avançou outro estágio no Alzheimer e se tornou ainda mais esquecida. Meu irmão mudou de cidade. Vivi dias chorosos e solitários. Me decepcionei e me frustrei bastante. Conheci e desconheci pessoas. Lidei com situações estressantes. Experimentei um trabalho que me acendeu o alerta de que a pandemia havia me causado mais estragos do que eu esperava.

Por várias vezes senti um cansaço com tudo, um desgaste emocional imenso, uma falta de paciência, uma hostilidade digna de pinscher, uma vontade de não fazer nada, como se eu estivesse amarrada ou carregando um peso, e ao mesmo tempo me angustiava com uma necessidade desesperada de mudar os rumos da minha vida.

Trabalhar com algo que eu gostasse, em vez de me desperdiçar com empregos ruins. Cortar laços falidos. Movimentar o corpo travado. Quebrar meus bloqueios e voltar a escrever com frequência. Resgatar meu lado criativo. Me apaixonar por algo. Me apaixonar por alguém.

Há pouco tempo me peguei com um aperto no coração ao ver tanta gente querida sendo, enfim, feliz no amor. Me perguntei se eu também teria essa sorte algum dia. Se meu destino seria continuar sozinha ou apenas cruzar de tempos em tempos com pessoas que acabavam me machucando de alguma forma. 

Talvez seja uma coisa de idade. Talvez seja uma necessidade pós-pandemia. Não sei. Às vezes sinto falta de sentir a animação de uma paixão correspondida – dessas que colocam um sorriso bobo no rosto, um brilho diferente nos olhos e um suspiro no peito. Sinto falta de me sentir viva nessa parte do coração. De tê-lo outra vez batendo acelerado, cheio de desejo por alguém.

Por mais que eu goste da minha companhia, da minha introversão, dos meus momentos, não dá para negar que a vida é silenciosa demais sem uma paixão. 

23.9.20

Pequenos acordos para salvar os dias

Durante uma conversa despretensiosa com Marcelo, alma pensante do Monocórdios e um desses amigos que a blogosfera me deu, comentei que a gente deveria escrever um texto até o final do mês. Quem sabe até dois, dependendo da nossa disposição.

Tanto tempo em casa e tenho me sentido acomodada, sedentária, deixando a vida para depois. Todos os dias digo para mim mesma que vou caminhar pelas ruas do bairro, mas acabo inventando desculpas e me convenço de que estou indisposta.

Às vezes abro meu arquivo de textos, penso numas ideias e logo em seguida desvio minha atenção para qualquer outra coisa que não seja forçar meu cérebro a escrever. Baixei um aplicativo de yoga na tentativa de alongar o corpo para aliviar as dores nas costas e, é claro, nunca fiz uma única posição.

Meu celular, pobre coitado, continua com a película quebrada porque tenho preguiça de ir numa loja comprar outra. Assim como outras coisas que preciso comprar, resolver, consertar, porém fico enrolando.

Fico nessa de esperar pela coragem, pela inspiração, por um empurrãozinho amigo para começar a fazer coisas que tenho vontade. Sei que essa sensação de preguiça e desconexão também está acontecendo com outras pessoas, algo perfeitamente normal num ano atípico como este. 

O que me incomoda nessa estagnação é a minha falta de energia para reagir. Por isso sinto falta de gente que me coloque para cima, que me incentive a melhorar e a sair desse sofá imaginário onde me afundei. E por isso esses pequenos acordos. Escrever um texto. Parar de me entupir de chocolate, como combinei com um outro amigo. Terminar minhas leituras dentro do prazo. 

Talvez seja apenas uma daquelas fases improdutivas no meio dessa montanha-russa chamada pandemia. O fato é que, para mim que sempre gostei de me sentir ativa, de cumprir tarefas, de me manter ocupada fazendo algo útil, não tem nada de "tudo bem" essa acomodação.

13.8.20

Silêncios necessários

Entre as paredes de casa, com um quintal cheio de plantas da minha mãe, com uns passarinhos que todo dia aparecem para comer xerém, com flores de buganvília brotando e suculentas crescendo aos montes, precisei reinventar meu tempo. 

Eu seguia numa vida dependente de mensagens no Whatsapp e gastava tempo demais entre curtidas e stories. Quando um dia abri por acaso minha atividade no Instagram, fiquei assustada com a quantidade de horas que eu passava ali. Era início da tarde e eu tinha perdido 3h47 minutos do meu dia visualizando bobagens.

(Dava para ler um livro curto, para fazer uma viagem de carro entre Aracaju e Maceió, para assistir Lawrence da Arábia, para fazer uma prova de concurso público, para descolorir o cabelo e pintar as luzes, para assar uns cinco bolos, para correr uma maratona).

Aquilo ficou martelando na minha cabeça. Eu estava num nível de ansiedade alto. Pensava demais em comida e comia muita porcaria. Tinha pouca concentração para a leitura. Não conseguia terminar um filme sem me distrair abrindo o Instagram. Ficava checando se tinha recebido alguma mensagem.

Para completar, a decepção que eu tinha sofrido foi um fator decisivo para que eu desse um tempo das redes e começasse a gastar minha energia em outras coisas.

Avisei a umas poucas pessoas sobre o meu afastamento, desativei algumas notificações e então sumi. Longas semanas offline e respondendo somente as mensagens necessárias que foram chegando.

Nesse tempo baixei um aplicativo de idiomas e comecei a estudar francês, mergulhei nas leituras pendentes, vi filmes que estavam esquecidos na minha lista da Netflix, reduzi meu consumo de informações (principalmente sobre política), tive duas tentativas fracassadas de fazer levain, me distraí brincando de arquiteta no The Sims, escrevi com frequência num diário, li matérias sobre autocuidado e saúde mental, curti dias de ócio, diminuí o açúcar, mudei a decoração do quarto, cozinhei bastante.

Parece pouco, mas foi o suficiente para melhorar meu humor, para me sentir menos ansiosa e ociosa, para ter a certeza de que finalmente estava aproveitando esse tempo em casa com algo útil, em vez de só ficar abrindo e fechando aplicativos. Meu medo agora é me acostumar com essa liberdade de uma vida menos conectada.